12/30/2006

O demónio veste galochas

Sobre as galochas muito se escreveu e raramente se acertou. O mistério permanece, alimentando hordas de místicos da alquimia que se dedicam ao estudo da Queda de Adão e aos recantos mais ocultos dos vestíbulos de Los com a mesma paixão que esmiúçam um antigo par de galochas.
Como nos vestíbulos de Los o máximo que a moderna ciência do ocultismo encontrou foi um par de peúgas brancas com um símbolo hieroglífico (duas raquetes de ténis em riste) bem como uma velha revista “Gina”, ocorreu um natural cisma durante uma reunião numa “licor store” junto ao Tamisa, em que se tentava converter à pureza original do ouro uma armação de sombrinha. Dessa cisão nasceu a Sociedade Secreta Noite de Saturno, comandada pelo proeminente poeta William Blake, que defendia a utilização de galochas de pé alto para a pesca à linha de salmão nos lagos da Escócia.
Foi precisamente na Escócia que a alquimia neoplatónica obteve os seus maiores sucessos ao submeter a matéria primordial às sete fornalhas da alma (o número sete das sublimações foi atribuído a Saturno como sétimo planeta cosmológico), resultando daí, não ouro, como se pretendia, mas um líquido de voz grossa e sabor intenso, que os monges irlandeses chamaram de água da vida, e que nos bares de hotéis e snack-bar de bairro se conhece simplesmente como whisky.
Ferozes adeptos da destilação, os membros da Sociedade Secreta Noite de Saturno costumavam reunir-se em Inverness, em dias de conjugação cósmica, para beber o produto da destilaria mais próxima com galochas calçadas e jogar bridge.
Foi assim que ficaram célebres os simpósios de Inverness, sabendo-se agora que os gregos utilizavam a palavra simpósio para aquilo que os modernos definem como “apanhar uma bebedeira com os amigos.” Nesses simpósios era debatido o papel das galochas na subida dos trinta degraus da escada que “representa as trinta virtudes enunciadas por John Klimakos, abade do Mosteiro de Santa Catarina no Sinai, num tratado para a firmeza moral dos monges.” Para subir essa escada em direcção ao céu, William Blake e seus compinchas defendiam a utilização de galochas de cano alto e tingidas de verde, de preferência as da secção de pesca e caça do Harrod`s, que pela sua textura e impermeabilidade eram as mais convenientes a escaladas divinas.
A sociedade cultora de Saturno produziu vasta bibliografia sobre o mistério das galochas, mas a eclosão do espírito científico das newsmagazines de meados do século XX acabou por desmistificar as galochas e reduzi-las ao seu utilitarismo sequinho.
Foi na revista “Selecções do Reader`s Digest” de Outubro de 1951 que Jonathan Kepler, repórter, atribuiu a invenção das galochas ao italiano Ferrucio Lamborghini. Este notável e inventivo toscano fabricava tractores, e um dia a sua casa no Piemonte foi abalada por uma diluviana inundação. A signora Lamborghini havia despejado na sanita os restos de um lauto “farfalle”, que entupiram os canos, provocando o cataclismo.
Ferrucio, que acabara de comprar um luzidios sapatos italianos, temeu estragá-los e recortou os pneus do seu tractor, desenhando uma protecção para o seu fino calçado, podendo assim enfrentar de piaçá e balde na mão as cataratas de Niagara que escorriam pela sua marmórea escadaria. Mal sabia que havia sido o primeiro homem a descobrir uma das características mais apreciadas da borracha – a impermeabilidade – e assim dar o tiro de partida para uma grande indústria organizada em torno da simples necessidade de nos protegermos da chuva.
Foi também um grande avanço civilizacional para os pescadores de água doce, cuja população se reproduziu exponencialmente graças à diminuição de casos de tuberculose, na razão inversa da defenestração do salmão de água doce que é hoje tão provável de encontrar no Loch Ness, como a própria Nessie. Com o capital que somou a vender galochas, Ferrucio Lamborghini abandonou o negócio dos tractores e passou a fabricar automóveis super-desportivos, como o mítico Lamborghini Diablo, que deve ser guiado envergando um fato Armani e calçando sapatos italianos. Actualmente as galochas são utilizadas na pesca, na agricultura e também em clubes fétiche em Manilla.
No seu último bestseller “O tormento dos metais” o escritor sado-masoquista Joselu Pixoto escrevia: “foder só com galochas é sublime, é como trepar as escadas divinas com belas arcanjas-demónio a cravarem-nos a longas unhas envernizadas de escarlate nas costas.”
Hummm, só com galochas…

2 comentários:

Anónimo disse...

Acho que vou começar a gostar de Invernos chuvosos.
Bom 2007, de galochas.

Rui Pelejão disse...

Amigo Tiago, um grande abraço para ti, e leva outro para o Vitor e beijinhos para as respectivas consortes.