Loja de electrodomésticos V
A Noite do Iguana
Ava era franzina e esquálida - mas fazia amor como ninguém! cogitava Richard, lendo o bilhete de despedida que lhe deixara a fêmea, com quem partilhara os lençóis de flanela coçada durante dois anos.
Ava fora viver com um jovem pinguim de gel e fraque, enconado e cortês como se fora um maitre de restaurante finesse, aspirante a estrelar no Guia Michelin.
Afadigara-se das bebedeiras e do mau génio irado de Richard, da sua preguiça, do humor ácido, das iscas enzeitadas em puré de batata, dos impropérios no trânsito, do Opel Corsa a cair de podre, das férias na Estufa Fria, das traições em punhalada culpada, da eterna solidão e frustração vingativa de Richard.
Fartara-se de viver num reptilário, do lado errado da jaula.
Richard leu o bilhete de Ava e engolio-o quando leu a palavra amor, já que - como se sabe -, amor é uma palavra indigesta.
Preparou um balde de gelo onde despejou uma garrafa de whisky de má qualidade. Para ajudar à digestão do bilhete escrito em papel perfumado, tomou um Alka-Seltzer.
Pensativo, ruminou um cigarro entre as mandíbulas.
Caiu a noite estrelada, com ovo a cavalo. Na rua uivavam cães famélicos.
Richard dormitava a bebedeira, sonhando com os maravilhosos fellatios que Ava lhe proporcionara, quando despertou acabrunhado com o som de passos vigorosos e ofegantes.
Correu imediatamente para a despensa, tirando da prateleira de cima o velho aspirador Ariston, fechou-se na jaula em movimentos trôpegos de whisky.
Deitou-se nos lençóis de flanela coçada, abraçando o aspirador com as suas esponjosas membranas, acariciou-o, ligou-o e colocou a tromba de sucção junto à virilha.
Soltou um gemido de prazer e caiu num sono electrocutado, ainda antes do tratador dos répteis desligar o gerador eléctrico que iluminava a jaula dos iguanas.
Sem comentários:
Enviar um comentário