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A Noite do Iguana 
Ava era franzina e esquálida - mas fazia amor como ninguém! cogitava Richard, lendo o bilhete de despedida que lhe deixara a fêmea, com quem partilhara os lençóis de flanela coçada durante dois anos. 
Ava fora viver com um jovem pinguim de gel e fraque, enconado e cortês como se fora um maitre de restaurante finesse, aspirante a estrelar no Guia Michelin. 
Afadigara-se das bebedeiras e do mau génio irado de Richard, da sua preguiça, do humor ácido, das iscas enzeitadas em puré de batata, dos impropérios no trânsito, do Opel Corsa a cair de podre, das férias na Estufa Fria, das traições em punhalada culpada, da eterna solidão e frustração vingativa de Richard. 
Fartara-se de viver num reptilário, do lado errado da jaula. 
Richard leu o bilhete de Ava e engolio-o quando leu a palavra amor, já que - como se sabe -, amor é uma palavra indigesta. 
Preparou um balde de gelo onde despejou uma garrafa de whisky de má qualidade. Para ajudar à digestão do bilhete escrito em papel perfumado, tomou um Alka-Seltzer. 
Pensativo, ruminou um cigarro entre as mandíbulas. 
Caiu a noite estrelada, com ovo a cavalo. Na rua uivavam cães famélicos. 
Richard dormitava a bebedeira, sonhando com os maravilhosos fellatios que Ava lhe proporcionara, quando despertou acabrunhado com o som de passos vigorosos e ofegantes. 
Correu imediatamente para a despensa, tirando da prateleira de cima o velho aspirador Ariston, fechou-se na jaula em movimentos trôpegos de whisky. 
Deitou-se nos lençóis de flanela coçada, abraçando o aspirador com as suas esponjosas membranas, acariciou-o, ligou-o e colocou a tromba de sucção junto à virilha. 
Soltou um gemido de prazer e caiu num sono electrocutado, ainda antes do tratador dos répteis desligar o gerador eléctrico que iluminava a jaula dos iguanas. 
 

 
 
 

 
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