Cadernos do Molusco- O bode funcionário
O bode funcionário acendeu laboriosamente o cachimbo, aliás, acender o cachimbo era a única coisa que admitia fazer laboriosamente.
O bode funcionário queixou-se ao bode funcionário superior do mau estado da ventoínha da repartição:
- Sabe chefe, vem aí uma vaga de calor, e já se sabe, a produtividade ressente-se... - lamuriou amargamente. Condescendente, o bode funcionário superior concordou, cambaleando a barbicha bem aparada, evidente símbolo de autoridade:
- Tem razão meu caro, inteira razão, informarei o director-geral, que será decerto sensível ao problema, mas até que o barbicacho se resolva, sugiro limonadas, limonadas.
O bode funcionário ensaiou a tradicional vénia e retirou-se da câmara frigorífica que servia de gabinete ao bode funcionário-superior, ruminando entredentes:
- Limonadas, limonadas, pois já se vê, este está ao fresco e nós que nos danemos. Se metesse era os limões pelo pandeiro acima, era o bem que fazia.
Infelizmente, este seu jocoso dito foi interceptado pela secretária-corujona, que diligentemente o transmitiu ao bode superior, que por sua vez informou o director-geral que em seguida notificou o chefe de gabinete do ministro, que por sua vez segredou ao ministro o ultrajante dixote do bode funcionário: «Parece que o funcionário sugeriu que o ministro metesse os limões no ministeriável traseiro e que fizesse limonada à farta». O ministro, conhecido pelo seu mau-génio, sobretudo a partir do terceiro whisky a partir das 3horas da tarde, mandou retirar todas as ventoinhas das repartições públicas, alegando racionalização dos serviços, e obrigou aquele particular bode funcionário a vestir a nova farda de Verão - camisola de gola alta de lã e calças de flanela grossa. «Não excluindo posteriores medidas disciplinares, não estou cá para aturar bodes jocosos.» E a paz funcionária foi assim interrompida por um sufocante Verão Quente.
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