5/29/2007

Malefícios do Governo

“A razão é a primeira autoridade; e a autoridade é a última razão.”
Louis Bonald

Mais do que o problemazinho do “canudo”, uma bagatela neste país de licenciados nas caixas de supermercado e pajens políticos nas administrações das empresas públicas. Mais do que os exames de inglês por correspondência, neste país da cábula e do copianço; mais do que o fingimento descarado com o combate à corrupção que disfarça a complacência com esse flagelo público; mais do que tudo isso, há um padrão de pensamento e acção governativa que nos devia alarmar a todos.
Esse padrão chama-se obsessão pelo controlo e manifesta-se com tiques de autoritarismo numa série de medidas legislativas que apenas têm uma leitura óbvia - o Governo do Partido Socialista português despreza a liberdade.

Alvoraçamo-nos com o facto de uns inexpressivos milhares de taxistas-furibundos, donas de casa saudosistas, coronéis na reforma e meninas fascistas da UBI com problemas de afirmação (ou falta de namorado) terem eleito o ditador “botas” como o grande português; e entretidos com esse mofo do nosso armário dos esqueletos colectivo, esquecemo-nos que as maiores ameaças às nossas liberdades individuais não vêm de um programa de televisão fatela.
As maiores ameaças às nossas liberdades vêm das reuniões de quinta-feira do Conselho de Ministros e dos plenários da Assembleia da República, pelo punho daqueles que foram eleitos pelo povo para, em primeiro lugar, defender uma liberdade de que estivemos privados meio século, ou melhor, nove séculos, e que pelos vistos continuamos a não amar e respeitar.

A coberto do “ímpeto” reformista, das medidas “modernas” e compaginadas com as “melhores práticas europeias”, o PS prossegue uma subterrânea ofensiva no sentido de cercear, regular e domesticar a liberdade de expressão e de informação, tema para o qual encontra sempre pontuais aliados nos tribunais onde juízes-fantoches vão produzindo jurisprudência que fariam de Hugo Chávez um grande democrata liberal.
Basta relembrar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que condenou o jornal “Público” a uma choruda indemnização por divulgar uma notícia verdadeira sobre uma trapalhada fiscal do Sporting. Sentenças como estas vão-se repetindo um pouco por todas as comarcas, onde obscuros juízes vão destilando o seu ódio visceral aos jornalistas.
Como se isso não bastasse, o sinistro Sr. Silva, ministro com a tutela da Comunicação Social, interpreta com obstinação de linha dura, as visões mais “soft” sobre regulação dos media que Arons de Carvalho nunca ousou passar à prática no tempo do socialismo-amigável de Guterres.
Um ano depois de ter criado a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o Governo prepara-se para apertar a coleira com o novo Estatuto do Jornalista e com o reforço dos poderes dessa entidade das trevas que é a Comissão da Carteira de Jornalista.

A experiência de um ano da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) é aliás exemplar. Como se adivinhava em texto escrito nestas páginas há um ano, este organismo nefasto é uma extensão instrumental da vontade de um partido traumatizado pela decapitação política do seu secretariado devido aos “danos colaterais” do caso Casa Pia.
Formado por comissários políticos, onde pontifica por exemplo Estrela Serrano, antiga assessora de imprensa de Mário Soares e do Partido Socialista, a ERC notabilizou-se neste seu ano de estreia por ser um polícia de giro a mando do chefe-de-esquadra.
Distribuiu raspanetes e pequenos açoites em meia dúzia de “prevaricadores”; defendeu abnegadamente o Serviço Público de Televisão (agora criou uma tabela numérica para alegadamente defender o pluralismo político-partidário dos telejornais) e foi incapaz de molestar o poder, mesmo quando este tentou alegadamente fazer pressão nos directores de jornais, no director de informação da RTP ou quando Pina Moura anunciou gongoricamente que a sua nomeação para a administração de uma empresa privada, mas com uma licença de televisão emitida pelo Estado e fiscalizada pela ERC, era uma nomeação “ideológica”.
Escusado será dizer que este organismo é ricamente financiado pelos cofres públicos, os mesmos que estão depauperados para manter centros de saúde no interior. Há dinheiro para os “bófias” do Sr. Silva limparem as sarjetas do jornalismo, não há dinheiro para ajudar um velho mineiro de Sobral de São Miguel a ir a Coimbra fazer quimioterapia ao pulmão envenenado pela silicose.

Mas nem só pela liberdade de informação passa a obsessão pela rédea curta deste Governo, que no tempo de Santana Lopes teria dado direito a levantamento de rancho.
O projecto de criar um Intendente-Geral das polícias, um Pina Manique da era tecnológica que fique na dependência directa de Sócrates é também um reflexo desta veia autoritária, a mesma que entronca na nova lei anti-tabágica aprovada com sonolenta benevolência pelos deputados da AR. Ambas as iniciativas são faces da mesma moeda, uma servida sob o manto da eficácia-securitária, a outra sob a lógica higieno-fascista do politicamente correcto.
Fazendo aqui a minha declaração de interesses de fumador activo de quase duas ininterruptas décadas de prazer consciente dos malefícios, gostava apenas de lembrar os 70 por cento de não fumadores deste país que decerto regozijam com esta nova lei, que não se trata apenas de um problema de saúde pública ou de poderem saborear umas favas no tasco sem levarem com os bafos do cliente da mesa do lado.
Trata-se de um princípio de liberdade individual que nos permite viver a vida como entendermos ou até destruirmo-nos como bem entendermos. Hoje são os cigarros, amanhã são as favas e as gorduras.
A nova lei anti-tabágica é fascista porque persegue os fumadores remetendo-os para “guettos”; iliberal porque não permite a livre empresa, ou seja, que o proprietário de um restaurante ou de uma discoteca escolha, e por fim é uma lei repressiva, que prefere a multa à prevenção.
O Estado não está preocupado com a saúde dos não fumadores; está preocupado com a sua saúde financeira e dá-se a desplante de fingir cuidados com a saúde dos fumadores que todos os anos contribuem com 1400 milhões de euros em impostos sobre o tabaco.
Ora eu cá passo bem sem fumar um cigarro em restaurantes de não fumadores, mas também passo muito bem sem este paternalismo-maníaco do Sr. Correia de Campos que nos quer obrigar à força a cultivar modos de vida saudáveis que lhe encurtem as listas de espera dos hospitais.
Bernard Shaw dizia que a última vez que andou uma longa distância a pé foi para acompanhar o funeral de um amigo que morreu a fazer jogging.

Cá por mim com um Governo destes, que nos quer impingir adesivos de desabituação tabágica nos ombros e adesivos na boca da imprensa, o melhor é mesmo começar a fumar charros para esquecer (as multas sempre são mais leves), ou então pedir emprestado ao Bordalo Pinheiro o Zé Povinho e esse gesto caído em desuso, mas nunca tão necessário, como o saudoso manguito.
Ora toma !


(Publicado no Jornal do Fundão, nos idos de Maio)

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