11/10/2006

Take 2 – A quadrilha selvagem no manico-cómico

Os capangas de Beralt dão uns bofetões no padre.
A bandidagem ecuménica, ámen!


- Ainda vamos fazer disto um épico! É o grito de guerra da quadrilha selvagem do “summer fun productions”, um grupo de actores e técnicos improvisados entre os amigos e familiares do realizador. O guião foi escrito em menos de dois meses e muitas das personagens foram moldadas aos actores, o que facilitou o “casting”.
A belíssima heroína Martha é prima do realizador, o vilão Beralt é seu irmão, o Padre Holmes é colega finalista do curso de Direito, a Maria é a amiga franca-atiradora e anotadora crítica; alguns dos capangas, como Black Jack, já faziam parte da sua “entourage” das curtas-metragens e eu sou o nómada que abanca lá em casa para grandes maratonas cinéfilas a papar as obras completas do John Ford e Sam Peckinpah.
Outras personagens foram contratadas para breves e meteóricas aparições, como foi o caso de Jerónimo, o Bob Dylan da Beira Baixa, que além de assinar alguns originais da banda sonora, vestiu também a pele de um bandido mexicano cujas primeiras e últimas palavras foram - Se tocas en la botella, te hincho de granos de plomo, cábron!
Até o pai do realizador foi convocado para esta superprodução caseira. O “Pai” Fernandes acumulou funções. Além de ter de morrer cerca de três vezes no mesmo filme (estávamos curtos de figuração), foi também o responsável pelo pelouro das refeições e o comandante das tropas aquarteladas na casa Alvim Costa que durante duas semanas foi o manico-cómico que alojou a nossa quadrilha selvagem.
Sob a divisa “barriga vazia, não conhece alegria”, o hilariante Pai Fernandes iniciou-nos nos doces prazeres da cozinha Lavoisier, em que nada se perde e tudo se transforma, nem que seja numa bela massada do dia seguinte. Benditas saladinhas de tomate e tinto do garrafão que nos davam alento para as duras filmagens. É que isto fazer “western no budget” (sem apoios) não é banana, sobretudo para meninos da cidade pouco habituados às agruras da vida no campo.
Eu que o diga, que os únicos exercícios físicos que estou habituado a fazer são o haltero-copismo e o lançamento da beata, e quando muito um joguito de matraquilhos. Na pele de Kit Carson tive de andar a cavalo (ou pelo menos tentar), trocar umas boas murraças no lodo com Angel antes de lhe “apertar uma” faca de mato no bucho, subir e descer penedos de matagal cerrado, comer uma cabeça de cabrito assada que tresandava mais que o Zêzere em dias de descargas, ou até afogar-me no meio do rio, quando as botas e o pistolão comprado na Feira da Ladra a dois tipos com pinta de neo-nazis começaram a pesar mais do que a força do braço nadador.
Valeu a prontidão do realizador-salvador que me pescou do rio, depois dos lancinantes pedidos da ajuda, para descobrir, perante gargalhada geral, que afinal aqui o cowboy-herói se afogava numa zona com pé – mais uma para o “making of”, corta!
Como eu, todo o elenco teve de desafiar os medos e enfrentar com paciência estóica as exigentes provas físicas que nos habilitariam para os jogos sem fronteiras do Eládio Clímaco, já que sem “budget” não há duplos, e o realizador, tão embrenhado no perfeccionismo da obra e na beleza plástica das cenas, se esquece que somos simples mortais.
Grande respeito ganhámos todos aos actores profissionais, porque provámos um pouco do árduo e desgastante esforço de ter de repetir a mesma cena umas dez vezes, já que o realizador e os “cameraman” Bruninho, Jorge Souto e Zina Caramelo precisavam sempre de mais um plano da mesma cena. Só para terem uma ideia, fui obrigado a “repetir” cerca de dez “shots” de whisky às dez da manhã, podem pois imaginar o resultado, já que ao contrário de Carlito Quijote, eu não trabalho com sumo de maçã, prefiro o realismo. A partir de agora tiro sempre o meu chapéu ao Jackie Chan e jamais direi mal de qualquer actor.

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