3/19/2008

Tóquio Hotel: A Ética de um putanheiro

A propósito do cancelamento do concerto dos Tóquio Hotel, lembro-me de um hotel em Tóquio.
Sentado no balcão de um bar muito “Lost in Translation” já estendia a manápula de lavagante ao oitavo ou décimo Bushmills (segundo a tabuada de José Cardoso Pires) e graças a isso conseguia manter um animado conciliábulo com um executivo japonês, gordo e velho - o que é uma raridade, porque em Tóquio só se vêm japoneses novos, magros e a cair de bêbados depois do cair do Sol.
O japonês só falava japonês e os filmes do Kurosawa não me davam sustento para cavaqueira. Por isso usámos a língua mais internacional do mundo – o escocês, espécie de esperanto dos povos copofónicos, pontuado com gargalhadas como vírgulas e com brindes como parágrafos.
Ia no oitavo ou décimo brinde, já sem assunto e a dedicar uns planos de sabre Yakuza ao pianista-leninista, que na sua sonolência de zombie-relógio ia matraqueando o “New York, New York” pela oitava ou décima vez.



Rodei sobre os calcanhares do banco-giratório alguns 180 graus na esperança de avistar alguma Scarlett Johansson, e nada, nem sombra de pecado. Nem sequer um Bill Murray para recordar o dia da marmota ou lhe pedir o telemóvel da Andy McDowell.
Só homens de negócios galhofando como hienas com o humor típico de féretros. Todos os homens de negócios têm cara de agentes funerários. A diferença é que um transportam mortos nas suas carrinhas e os outros são tanatoperadores transportados nos seus Rolls por motoristas-cadáveres.
Estava com pouca disposição para velórios de bar de hotel. Despedi-me do barman e do meu japonês gordo com uma vénia exageradamente coreografada, traçando com a exactidão de uma régua a saída. À passagem pelo teclista-funcionário do “Fly me to the moon” ainda tacteei os bolsos na esperança de encontrar uma pistola com silenciador, para lhe espalhar os miolos na pauta-menú, ou um sabre de esventrar barrigas de fugu para lhe extrair o dedo do dó doloroso à maneira Yakuza, mas a única arma no bolso era mesmo um Lucky Strike de seis balas. Descarreguei um no canto do lábio, arregacei a gola da gabardina à laia de Marlowe preparando-me para enfrentar a chuva miudinha com ares de “cão danado”, que é manha velha do viajante meio à rasca se sentir nativo do “bas fond” em qualquer latitude.

O hotel ficava perto da rua principal do Kabukicho, o infame red district de Tóquio. É uma rua estreita que em passadas bem bebidas não bate a Avenida da Liberdade. Deambulei no meio de uma multidão-cardume que exibia uma biodiversidade digna de oceanário do vício. O inevitável marinheiro americano de bícepes-destroyers, os yuppies-Sony cambaleando com espuma feroz no canto do lábio, as tribos adolescentes-manga – um misto de punk de Manchester com pipis das meias altas; os “gangsters” de imitação de braços tatuados a comer com pauzinhos uns fritos de cheiro atroz.
Uma autêntica Babilónia. E olhando para o céu, os jardins suspensos da Babilónia.
Os japoneses vivem em claustrofobia de safio, engordados na sua ilha pelo paciente lavagante americano. Depois de Iwo Jima, o expansionismo japonês foi circunscrito ao céu de arame farpado e aos motores Toyota das trucks do Texas. É para o céu que o Japão cresce despeitado. E é por isso que Kabukicho tem provavelmente o metro quadrado com maior concentração de putas do planeta. É como se o Red District de Amsterdão e toda a Las Vegas coubessem numa só rua. Os arranha-céus empinam-se numa fanfarronice de proxeneta, desafiando a paz assexuada dos anjos. Arranha-céus que no seu ventre guardam o desejo de todos os desejos. Jardins suspensos da Babilónia, o paraíso dos viciosos, dos libertinos, dos lavagantes implacáveis.
Como ainda não se fazem “Lonely Planets” ou Guias Michelin dos melhores bataclans e apenas o turismo gay está aceite pelos cânones do politicamente correcto através dos guias “Spartacus”, os escravos do “amor exposto é para consumo na casa” têm de fazer como nas páginas amarelas e ir pelos seus dedo, arriscando e rezando a todos os santinhos dos putanheiros para não entrar num postíbulo de açoites nas nádegas, que não trouxe almofadinha para a bola.

O lutador de Sumo de smoking abriu-me a porta do elevador e com um sorriso de gola com goma que desconforta mais do que encoraja, apontando o botãozinho do 14º andar. A porta do elevador abriu-se directamente para um mar de poltronas dóceis, pernas esguias e decotes longos como a noite, iluminados por uma luz suave de champagne.
No centro do pequeno palco, um japonês minúsculo de impecável fato claro dos mares do Sul com um lenço escarlate na lapela, sobrancelhas desenhadas a tinta da China e uns lábios fio de nylon, exalava em inesperada voz gutural – “All my friends are gone, and my hair is gray”. O Leonard Cohen afinal era um japonês-diva-rabeta a cantar Tower of Song numa Torre de Babel de putas em Tóquio! Precisava decididamente do 14º whisky, um por cada andar daquele arranha-céus.
Mesmo os putanheiros mais experimentados não conseguem evitar um calafrio de safio fora de água quando entram num lupanar. É um desconforto de entrevista para emprego numa companhia de navegação. Felizmente o balcão do bar estende-se como bóia de salvação para os momentâneos náufragos, um rochedo seguro onde se pode beber em recuperação de fôlego e coragem.

Raros são os putanheiros portugueses capazes de entrar num bordel desconhecido sozinhos. Ou se fazem acompanhar de uma quadrilha selvagem para ter auditório para a malícia tonta das piadas brejeiras com que tentam atabalhoadamente disfarçar o terror do sexo e a culpa mórbida da transgressão moral; ou então tornam-se clientes habituais, para ser tratados como tais, como o fazem na marisqueira onde vão todos os domingos e tratam com familiaridade de sargento o empregado por pssst ó Zé – traz-me aí um travessa de percebes e uma imperial mista – é para já sr. Engenheiro – diz de lá, em subserviência de falsete o Zé.
Este é o putanheiro de marisqueira da direcção do Benfica que só vai a bordéis-marisqueiras onde se sinta em casa e que empinado na nota de 100 euros trata com altivo desdém o Zé e a puta. Este é o tipo de putanheiro que eu não gosto, nem eu nem o Zé, nem a puta.
Por isso, “ladrão só, puta só”. E as putas, acima de todas, devem ser tratar com galantearia e educação.

Largo âncora no balcão e peço mais um marinheiro –escocês a nadar em Perrier. De toda a espécie de barmen do mundo, o barman de Bataclan é o que mais se aproxima em antipatia do taberneiro português ou da miúda-gira-que- serve-copos-no-bairro-alto-mas-é-actriz.
Dali não há que esperar condescendência ou psicanálise de balcão. Servir um copo é martelar um carimbo para esmifrar o papalvo com aparentes sinais de falta de cona. O melhor é não tentar ganhar a confiança destas madres superioras de bordel, que se portam como se fossem pais, irmãos, ou amantes das noviças, e se vingam do seu suplício de Tântalo em nós, pobre pecadores-bebedores.
Entaramelando duas braçadas no whisky sinto uma cauda de perfume vaguear-me no pescoço como um cachecol de caxemira. Altiva e esguia, passa por mim com uma ausência insinuante. Olho, ela pára e olha para trás sorrindo com uma brancura de espuma de mar: Hi, baby all alone? Só e mal acompanhado – desabafo, fingindo intraduzível indiferença

(To be continued)

3 comentários:

Anónimo disse...

Adorei o teu conto

Grande abraço

Jack the Nipple

Rui Pelejão disse...

Dear jack, obrigado pá, só não tenho bem a certeza se é um conto, quando descobrir (na segunda metade), digo-te. Um abraço

Anónimo disse...

E tiveste muita sorte.Existe nos U.S.A 2.5 milhôes de presioneiros,nâo importa em que Estado eu và fecho as portas,e nem olhar para os Federais com a corja de bandidos a reparar as estràdas.Mas é na Escòcia onde existe no mundo a maior percentajem de presioneiros.PS na pròxima vês toma atençâo onde bébes o teu Wisky