6/20/2007

A OTA e a terrina da sopa





“Na maior parte dos homens, a descrença numa coisa, baseia-se na crença cega numa outra”.
Lichtenberg

Vai uma apostinha? Se por artes do demo se fizesse agora um referendo sobre o aeroporto da OTA, o sensato povo lusitano chumbaria o “desvario” com uma maioria bielorussa. Como rebanho manso fomos sendo conduzidos à certeza de que a OTA é uma fífia estratégica, um projecto faraónico que serve unicamente interesses privados, um turbo para a nossa economia a pedais, um quero-posso-e-mando do Governo.
Nunca se assistiu a um coro de balidos tão afinado, tão melífulo, tão científico, como aquele que move as mais insuspeitas carolas lusitanas contra a localização de um aeroporto.

O que me levou a desconfiar desta cruzada anti-OTA foi pensar porque raio é que a CIP (Confederação da Indústria Portuguesa) se dispõe a pagar do seu bolso um estudo para uma localização alternativa ao aeroporto da OTA, precisamente no mesmo momento que esse pequeno Nody da política nacional, o Sr. Marques Mendes, se pôs em bicos de pés nos seus tamanquinhos, pronto a cavalgar o alazão da contestação contra “Bob Construtor Lino” e a OTA.
Como não acredito em bruxas, nem em coincidências, nem na súbita caridade patriótica dessa corja de respeitáveis ávaros do salário mínimo, logo tratei de puxar ao rabo escondido no palheiro. E em vez de gato, veio raposa gorda de galinheiro farto.
Então não é que a localização do aeroporto na margem Sul traria amplos benefícios económicos para uma miríade de grandes empresas, onde pontificam por exemplo o Grupo Espírito Santo, a Brisa, a Lusoponte (concessionária da deficitária Ponte Vasco da Gama) ou até a Sonae, a quem um aeroporto a vinte minutos da “Nova Miami” de Tróia devia dar um jeitão. Eu cá não sou de intrigas e, apesar da declaração de interesses do seu director, é curioso ver como tem sido o “Público” a liderar uma inaudita campanha anti-OTA.
Com uma tão poderosa conjugação de interesses e a inabilidade do Governo para defender um projecto caucionado por sucessivos Executivos e partidos (incluindo o do Sr. Mendes), é natural que neste país de papagaios, os políticos de cervejaria, os treinadores de bancada e os plumitivos do oratório mediático despertassem para uma insuspeita vocação: a de engenheiros aeronáuticos!
Numa dos seus famosos “gags”, Raul Solnado queria ser um engenheiro naval alto e de olhos azuis. Pois bem… aqui tem um país de súbitos engenheiros aeronáuticos, capazes de, com um parágrafo, remover toneladas de terra e dinamitar um conjunto de estudos que demoraram trinta anos a engendrar. É obra!
Eu cá, de engenharia nem Black&Decker, nem um móvel do IKEA, mas sei que para qualquer dado problema se consegue um parecer técnico diferente, ou melhor, conveniente.
Aposto que se o Sr. Frexes (Presidente da Câmara do Fundão) quisesse um aeroporto internacional na Atalaia do Campo, não teria dificuldade em reunir uma tropa fandanga de cientistas, engenheiros e ornitólogos que jurariam a pés juntos sobre o seu currículo académico, que a Atalaia seria a melhor localização para um aeroporto, dada a ausência de rabanadas de vento lateral, a escassez de tordos em idade fértil e a proximidade do Estádio Santiago Bernabéu.

Não quero com isto desvalorizar os argumentos técnicos ou científicos que se opõem ao aeroporto da OTA, que podem até ser justos ou pertinentes, mas que não se sobrepõem aos argumentos e estudos conduzidos pelas maiores empresas internacionais do sector e que num rigoroso e documentado processo eliminatório (ver site da NAER) acabaram por conduzir à escolha da OTA.
Uma escolha que há um ano atrás parecia consensual e pacífica, incluindo para as associações ambientalistas, tão propensas a fazer um pé-de-vento quando o excitante coito de um casal de lagartos está em risco de ser interrompido.
Se há um ano havia consenso político e técnico, o que mudou entretanto? Convoco o sempre actual Eça para explicar: “Homens que assim se reúnem poderiam logo, neste nosso bem amado país, ser suspeitados de constituir um sindicato, uma filarmónica ou um partido. (…) Se em certos dias se congregam, é apenas para destapar a terrina da sopa e trocar algumas considerações amargas sobre o Colares...”
Neste “sítio mal frequentado”, os grandes negócios e os projectos de interesse nacional estão nas mãos de vorazes lóbis que continuam abancados à mesa a destapar a terrina da sopa, ou na Quinta da Marinha a saracotear os calções do golf.
Mesmo considerando que possa haver na questão da OTA um “empate técnico”, a decisão será eminentemente política. Estranho por isso que Cavaco Silva, que assinou cheques ao portador para o Centro Cultural de Belém, Expo-98, e Ponte Vasco da Gama venha agora a meter bedelho e pedir fiador técnico para a OTA, a mesma fiança que ignorou quando a “obra” era sua.

A caução técnica da OTA já há muito está passada, e mais razões não houvesse, duas sobrepõem-se a todas as outras:
- A localização na Margem Sul, que apresentava vantagens em relação à OTA, foi chumbada por motivos ambientais, com estudos preliminares (aqueles que no momento da decisão contam) a apontar as rotas de aves migratórias e os aquíferos como “impeditivos”.
Para os menos atentos, impeditivo, significa que a União Europeia não entraria com um tostão para o financiamento de cerca de 20 por cento do projecto, como está assegurado no caso da OTA.
Se os senhores empresários quiserem fazer uma vaquinha para se substituir ao financiamento comunitário, por mim estão à vontade.
Já agora podem também tentar explicar aos passarinhos que isso de se meterem nos motores dos aviões não lhes dá saúde nenhuma – nem a eles, nem aos aviões.
- A segunda razão é meramente cronológica. É que apesar de ainda nem se ter sachado um rego, o aeroporto da OTA já está na realidade a ser construído há sete anos, porque os estudos estão numa fase adiantada, e regressar à estaca zero obrigaria a novos investimentos no aeroporto da Portela.
Recorde-se que há três anos se gastaram 350 milhões de euros na ampliação da Portela, porque o projecto de construção do novo aeroporto já se arrasta há pelo menos duas décadas.
É por isso que escutar a peregrina ideia do sr. Miguel Sousa Tavares, que defende a ampliação da Portela e a construção de um pequeno aeroporto para “low costs”, nos revela a ignorância própria de uma eminência parva do comentário de cervejaria, que normalmente não sabe o que diz, mas di-lo muito bem dito.
Os voos “low cost” só são possíveis com a rentabilização logística das horas vagas dos grandes aeroportos. Só assim é possível viajar até Amesterdão pelo preço de estacionar o carro uma tarde na Avenida da Liberdade do Fundão.
Obviamente que podemos considerar um novo aeroporto um investimento desnecessário num país que construiu dez estádios de futebol. Mas, cá pelas minhas contas, um aeroporto continua a ser a forma mais rápida de sair deste país que tresanda a sopa.

publicado no “Jornal do Fundão” nos idos de Junho

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