6/28/2007

Cadernos do Molusco - Os benefícios do tabaco segundo VPV (para memória futura)



Por um tempo de reticências, contra as exclamações
Não é meu costume rapinar textos de autores vivos para decorar sem esforço a minha modesta chafarica. Até porque salvo raras excepções os autores vivos além de consideravelmente menos interessantes do que os mortos, além de terem uma noção mais acutilante de propriedade intelectual.
Mas neste caso sinto-me forçado a fazer uma excepção, e rogo ao "Público" e a Vasco Pulido Valente que me perdoem a grosseira piratagem do texto publicado hoje naquele jornal. Faço-o apenas para poder resgatá-lo das garras do efémero do papel de jornal, e conservá-lo aqui no recato deste meu bar-arquivo, entendam-no como um mero recorte bloguistico para memória futura.
Trata-se do mais notável texto sobre o prazer de fumar que já li.
O prazer do cigarro, como pontuação de um tempo marcado pelas interrogações sobre os limites da liberdade pessoal e as exclamações autoritárias do higieno-fascismo. Um texto suspenso com o vagar simples das reticências, como um cigarro que se saboreia depois de um banho de mar...


Os benefícios do tabaco
Público 28.06.2007, Vasco Pulido Valente
Viver sem fumar é como escrever sem pontuação. Pelo menos, para mim. A pequena cerimónia de acender um cigarro marca um "tempo": o princípio do dia, o princípio do trabalho, cada intervalo ou cada distracção, o alívio (ou o prazer) de acabar qualquer coisa, o almoço (quando almoço), o jantar (quando janto), o fim do dia, antes de fechar a luz, como um ponto parágrafo. O cigarro divide, acentua, encoraja, consola. Abre e fecha. É uma estação e uma recapitulação. "Já cheguei aqui. Falta ainda isto, isto e aquilo". Nas poucas vezes que tentei não fumar, tinha um sentimento de desordem, de arbitrariedade, de não saber passar de um frase a outra ou de um capítulo ao capítulo seguinte. Os fumadores, se repararem bem, não fumam ao acaso; fumam com ritmo.O cigarro também é uma companhia. Sobretudo para quem trabalha sozinho. A maior parte das pessoas vai falando, pouco ou muito, durante o trabalho. Por necessidade ou por gozo próprio. Do "serviço" à intriga, há milhares de oportunidades para o grande e simpático exercício de conhecer o próximo: para gostar dele ou para o detestar, para o observar, o comentar ou o intrigar. De porta fechada, à frente de um computador ou de um livro, não há nada à volta. Aí o cigarro ajuda. É um fiel amigo: a pausa que torna o resto tolerável. E que, além disso, recompensa uma boa ideia ou manifesta o entusiasmo ou a execração pelo que se leu. Com quem se pode conversar senão com o cigarro? De certa maneira, o cigarro substitui a humanidade; e não me obriguem a fazer analogias. Mas, principalmente, fumar serve para pensar. Quando, a ler ou a escrever, paro a meio de uma página, porque me perdi num argumento ou não consigo imaginar como se continua, pego num cigarro e penso. Não me levanto, não me agito, não abro a boca, não me distraio. Fumo e procuro com paciência a asneira. O cigarro concentra e acalma. Restabelece, por assim dizer, a normalidade. E este efeito "normalizador" é com certeza uma das suas maiores virtudes. Não comecei a fumar para ser adulto ou "viril". Comecei a fumar porque sou horrorosamente tímido e porque o cigarro é com certeza a maior defesa dos tímidos. Primeiro, porque ocupa as mãos e simula um arzinho de à-vontade. E, segundo, porque esconde e protege ou cria a ilusão de que esconde e protege. Por detrás de um cigarro, o mundo parece mais seguro. Mesmo se andam por aí a garantir que não.

5 comentários:

Mercúrio disse...

F O R M I D A V E L

;)

Pena estar a meio de um cigarro... senão acendia um agora...

catarina disse...

Para quem realmente precisa de se esconder atrás de algo, o cigarro parece ideal... Acho piada ao argumento da companhia. Agora ao do disfarçar da timidez e do esconder... Apetece mesmo dizer, passo a expressão, desenconem-se, desculpem lá.

mar disse...

ena,
diz que quem fala assim não é gago!

eu cá achei piada ao cometário da sra. que gostava de ser uma tartaruga. já ganhou!

mas estou do lado do Miguel,
de cigarro aceso
e sem explicações para dar.
(a ninguém)
digo só que é bom
e sabe bem
um cigarro devagar.




(gostei imenso do texto)

Anónimo disse...

Estás nervosa Catarina? Queres um cigarro?

catarina disse...

Sorry, prefiro um mergulho no mar...