História improvável das coisas - O palito
Degustar um opíparo bacalhau à Zé do Pipo pode ser tão angustiante como esperar pela nossa vez na consulta do dentista.
Os fios de bacalhau prendem-se nas falhas dos dentes como os limos se agarram às rochas costeiras, políticos ao poder,fiscais de impostos à nossa declaração de IRS, ou a broca com flúor às tribos de tártaro.
Felizmente as sequelas da experiência degustativa de um bacalhau ou de um tornedó a derreter-se na língua são hoje menos maçadoras, graças a um pequeno e insignificante utensílio que marcou o início da história da higiene oral, ainda antes de Santa Apolónia, padroeira dos tira-dentes, ter sido martirizada.
Com efeito, a higiene é mais uma consequência de civilização do que uma necessidade fisiológica, facto que os belgas tão bem sabem, porque pouco a praticam.
Desde muito cedo, o homem percebeu que até podia não tomar banho com regularidade, mas ter comida entalada nos dentes podia ser muito incómodo.
Foi isso que fez nascer a higiene oral, ou seja, a necessidade de ter os dentes bem tratados e reluzentes.
Os fios de bacalhau prendem-se nas falhas dos dentes como os limos se agarram às rochas costeiras, políticos ao poder,fiscais de impostos à nossa declaração de IRS, ou a broca com flúor às tribos de tártaro.
Felizmente as sequelas da experiência degustativa de um bacalhau ou de um tornedó a derreter-se na língua são hoje menos maçadoras, graças a um pequeno e insignificante utensílio que marcou o início da história da higiene oral, ainda antes de Santa Apolónia, padroeira dos tira-dentes, ter sido martirizada.
Com efeito, a higiene é mais uma consequência de civilização do que uma necessidade fisiológica, facto que os belgas tão bem sabem, porque pouco a praticam.
Desde muito cedo, o homem percebeu que até podia não tomar banho com regularidade, mas ter comida entalada nos dentes podia ser muito incómodo.
Foi isso que fez nascer a higiene oral, ou seja, a necessidade de ter os dentes bem tratados e reluzentes.
Os primeiros a preocuparem-se com o bom hálito foram os gregos, porque precisavam de ter um sorriso impecável para fazer prevalecer as suas filosofias e ideias políticas nas reuniões da Sala do Aerópago.
Tucídides, historiador grego autor da monumental “História da Guerra do Peloponeso” e do opúsculo “A Importância do bom hálito para a Democracia Ateniense” atribuiu a invenção do palito dos dentes a Sólon.
Nascido por volta de 639 ac (todos os gregos nasceram em data incerta, excepto Onassis que tem certidão de nascimento), Sólon era um intelectual respeitado em Atenas, não só por ter um nariz aquilino e pontiagudo, (estigma de respeitabilidade), mas também porque costumava ter opinião formada sobre tudo e sobre nada. Esse proselitismo valia-lhe a veneração dos seus contemporâneos que o consideravam um grande carola e um enorme nariz – “Tem faro para a política”, sussurrava-se nos banhos públicos.
Tucídides, que era um conhecido higieno-maníaco (usava luvas de peliça e máscara de guerreiro para arrumar a estante), conta como tudo se passou: “Antes de ir fazer as suas prelecções num centro comercial em Atenas, Sólon gostava de parar numa tasca da Acrópole para fazer um lanchinho. Nesse dia optou por uma salada de anchovas com couves, azeite e bolinhos de bacalhau, cujos fios lhe ficaram entrelaçados na dentuça.
Após a refeição jogou uma partidinha de gamão com um agiota manhoso. Indisposto com os dentes, Sólon que era um exímio jogador de gamão, desconcentrou-se e começou a perder. Com o seu orgulho ferido apostava cada vez mais alto, mas não conseguia concentrar a sua superior inteligência nas jogadas do adversário, já que a sua língua tentava sem sucesso desalojar o obstinado bacalhau do seu molar.
Foi assim desbaratando os seus bens, até tudo perder a favor do agiota, que ardilosamente lhe foi passando notas de crédito.
No fim do jogo, e de acordo com a lei grega, Sólon passou a escravo do agiota.
Perturbado com o inesperado desenlace da infeliz jogatana, o filósofo grego socorreu-se de uma das peças de gamão (que eram rectangulares e feitas de madeira da Macedónia), e descolou uma pequena ripa, com que começou imediatamente a escarafunchar a cavidade entre o molar e o dento do siso (a preferida do bacalhau parasita).
Aliviado pela limpeza, Sólon mirou o pequeno pauzinho, e recuperando o seu sangue frio, pensou com os botões da sua túnica manchada com nódoas de azeite e tinto de Efeso: “Eureka! Porque é que nunca me lembrei disto”.
O agiota perguntou-lhe então quando é que podia começar a limpar a estrebaria e a fritar ovos lá em casa. Sólon pediu apenas mais umas horas para resolver os seus assuntos e poder depois honrar a sua dívida. Pegou em três ou quatro peças de gamão que desfez cuidadosamente escondendo-as na túnica.
Quando chegou ao Partenón, os seus camaradas filósofos e cidadãos estavam com cara de poucos amigos, porque também eles tinham lanchado bolinhos de bacalhau.
Sólon, exibindo um sorriso resplandescente (que a partir daí começou a ser a imagem de marca dos políticos), disse com a sua voz tonitruante de oráculo de Delfos: “Cidadãos, tenho aqui o remédio para o incómodo que sei que vos atormenta. Mas só o desvendarei se aprovarem a lei que agora redigi.” Curiosos e rezingas, os cidadãos concordaram, e Sólon exibiu triunfante as ripas das peças de gamão, que distribuiu na assembleia, exemplificando com graciosidade a sua enorme utilidade dentária.
Aliviados do tormento, os cidadãos aprovaram de bom-grado as alterações ao “Livro dos Códigos”, que abolia a escravatura por dívidas, prática bárbara e deselegante, que foi sorrateiramente retomada pelas modernas instituições bancárias.
Sólon ficava assim livre das garras do agiota e a alta-sociedade ateniense podia entregar-se ao pensamento, sem delongas com questiúnculas dentais.
A higiene oral passou assim a ser um sinal de civilização e os dentistas começaram a ser convidados para festas e orgias do jet-set ateniense.
O uso do palito estendeu-se a toda a bacia do Mediterrâneo e foi Anonimus Palitius, um carpinetiro de Roma, que patenteou o paliteiro que passou a ser presença habitual em todos os banquetes de bacalhoada, muito antes do galheteiro.
Na era moderna, de La Renne deu outro uso aos palitos, embebendo-os em Vinho do Porto. Na gíria dos adúlteros pôr os palitos a alguém passou a ser uma forma mais “light” de apontar a dedo um cornudo na fila da padaria.
Tucídides, historiador grego autor da monumental “História da Guerra do Peloponeso” e do opúsculo “A Importância do bom hálito para a Democracia Ateniense” atribuiu a invenção do palito dos dentes a Sólon.
Nascido por volta de 639 ac (todos os gregos nasceram em data incerta, excepto Onassis que tem certidão de nascimento), Sólon era um intelectual respeitado em Atenas, não só por ter um nariz aquilino e pontiagudo, (estigma de respeitabilidade), mas também porque costumava ter opinião formada sobre tudo e sobre nada. Esse proselitismo valia-lhe a veneração dos seus contemporâneos que o consideravam um grande carola e um enorme nariz – “Tem faro para a política”, sussurrava-se nos banhos públicos.
Tucídides, que era um conhecido higieno-maníaco (usava luvas de peliça e máscara de guerreiro para arrumar a estante), conta como tudo se passou: “Antes de ir fazer as suas prelecções num centro comercial em Atenas, Sólon gostava de parar numa tasca da Acrópole para fazer um lanchinho. Nesse dia optou por uma salada de anchovas com couves, azeite e bolinhos de bacalhau, cujos fios lhe ficaram entrelaçados na dentuça.
Após a refeição jogou uma partidinha de gamão com um agiota manhoso. Indisposto com os dentes, Sólon que era um exímio jogador de gamão, desconcentrou-se e começou a perder. Com o seu orgulho ferido apostava cada vez mais alto, mas não conseguia concentrar a sua superior inteligência nas jogadas do adversário, já que a sua língua tentava sem sucesso desalojar o obstinado bacalhau do seu molar.
Foi assim desbaratando os seus bens, até tudo perder a favor do agiota, que ardilosamente lhe foi passando notas de crédito.
No fim do jogo, e de acordo com a lei grega, Sólon passou a escravo do agiota.
Perturbado com o inesperado desenlace da infeliz jogatana, o filósofo grego socorreu-se de uma das peças de gamão (que eram rectangulares e feitas de madeira da Macedónia), e descolou uma pequena ripa, com que começou imediatamente a escarafunchar a cavidade entre o molar e o dento do siso (a preferida do bacalhau parasita).
Aliviado pela limpeza, Sólon mirou o pequeno pauzinho, e recuperando o seu sangue frio, pensou com os botões da sua túnica manchada com nódoas de azeite e tinto de Efeso: “Eureka! Porque é que nunca me lembrei disto”.
O agiota perguntou-lhe então quando é que podia começar a limpar a estrebaria e a fritar ovos lá em casa. Sólon pediu apenas mais umas horas para resolver os seus assuntos e poder depois honrar a sua dívida. Pegou em três ou quatro peças de gamão que desfez cuidadosamente escondendo-as na túnica.
Quando chegou ao Partenón, os seus camaradas filósofos e cidadãos estavam com cara de poucos amigos, porque também eles tinham lanchado bolinhos de bacalhau.
Sólon, exibindo um sorriso resplandescente (que a partir daí começou a ser a imagem de marca dos políticos), disse com a sua voz tonitruante de oráculo de Delfos: “Cidadãos, tenho aqui o remédio para o incómodo que sei que vos atormenta. Mas só o desvendarei se aprovarem a lei que agora redigi.” Curiosos e rezingas, os cidadãos concordaram, e Sólon exibiu triunfante as ripas das peças de gamão, que distribuiu na assembleia, exemplificando com graciosidade a sua enorme utilidade dentária.
Aliviados do tormento, os cidadãos aprovaram de bom-grado as alterações ao “Livro dos Códigos”, que abolia a escravatura por dívidas, prática bárbara e deselegante, que foi sorrateiramente retomada pelas modernas instituições bancárias.
Sólon ficava assim livre das garras do agiota e a alta-sociedade ateniense podia entregar-se ao pensamento, sem delongas com questiúnculas dentais.
A higiene oral passou assim a ser um sinal de civilização e os dentistas começaram a ser convidados para festas e orgias do jet-set ateniense.
O uso do palito estendeu-se a toda a bacia do Mediterrâneo e foi Anonimus Palitius, um carpinetiro de Roma, que patenteou o paliteiro que passou a ser presença habitual em todos os banquetes de bacalhoada, muito antes do galheteiro.
Na era moderna, de La Renne deu outro uso aos palitos, embebendo-os em Vinho do Porto. Na gíria dos adúlteros pôr os palitos a alguém passou a ser uma forma mais “light” de apontar a dedo um cornudo na fila da padaria.
Sem comentários:
Enviar um comentário