1/27/2004

Poesia a dias

Contratei uma poesia a dias
vai lá a casa às quartas e sextas
vai sempre a hora incerta e aborrece-me
tanto

Por vezes estou a dormir
e ela acorda-me com o som estrindente
do aspirador

Passa horas a limpar o pó das estantes,
a desarrumar-me as revistas
pornográficas
e a desordenar os tratados satânicos
os bibelots messiânicos
que uma tia minha me trouxe
da Mesopotâmia

faz todo o labor
do espanador
com um certo langor
e devagar ... exasperadamente devagar

Gosto da estante desarrumada
e de ver as minhas impressões digitais
no pó
das lombadas das revistas
e das manchas de molho
nas capas das pin-ups

Por isso arranjei maneira de me livrar da poesia
a dias
Um dia, apontei-lhe o aspirador aos miolos
ela fitou-me aterrada

e depois aspirei-a toda
para o estômago voraz
do Ariston de última geração
que uma tia minha
tinha comprado numa promoção

Voltei a ter paz
pó na estante
e impressões digitais
nas lombadas das revistas
pornográficas

E nunca, nunca mais vou ter
uma poesia a dias
a não ser que seja tão bem feita
como a da capa da Playboy

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