Cenas da vida conjugal com um cadáver
Num gesto de revolta doméstica revolvi a gaveta e finalmente encontrei o revólver. Disparei ao acaso e acertei repetidamente num espelho e no armário. O cadáver que ali vivia há anos, soltou um queixume irado
– Meus pobres ossos, já um esqueleto não pode viver em paz no armário!
A partir daquele dia, passei a arrumar os pijamas na gaveta junto às peúgas perfumadas e ao revólver inquieto.
Comprei uma cana de pesca e passei as tardes de Domingo a pescar peças de roupa interior do estendal da vizinha de baixo, que depois arrumava religiosamente na gaveta de baixo, junto ao terço e à bíblia que recebera de herança da minha avó Piedade.
Do esqueleto nunca mais escutei lamúrias. Vivíamos numa cordata paz doméstica e conjugal. Ele no armário, eu na terceira gaveta, submergido pela lingerie dominatrix da vizinha e do abençoado crucifixo da família.
V7
Sem comentários:
Enviar um comentário