8/21/2008

Olimpíadas na caminha

Num delicioso sarcasmo fúnebre, Bertrand Russel confessou que a última vez que tinha feito exercício físico foi para acompanhar o enterro de um amigo seu que tinha morrido a fazer jogging.

O desporto é uma coisa perigosa, consigo passar horas a olhar para ele, com sentida admiração, sobretudo se houver vinte e dois atletas em campo e uma bola pelo meio, porque como dizia Arrigo Sachi (treinador de futebol italiano) “O futebol é a coisa mais importante das coisas menos importantes”. Mas hoje, falemos de outros futebóis.

Apesar dos perigos inerentes ao desporto, as sociedades maníaco-ginastas modernas insistem na glorificação da velha e desactualizada receita espartana: “Mente sã em corpo são”. Pois, pois, mas nem toda a ginasticazinha valeu a Leónidas na Batalha de Termópilas. Agora já não há persas para combater à espadeirada ou desafiar para um corpo-a-corpo naquele desporto gay-musculado que é a luta greco-romana, sobra apenas um temível inimigo, mais perigoso do que meliantes brazucas.

O novo Grande Satã são as calorias, causadoras daquele notável efeito de arredondamento da pança que faz dos gordos os próximos proscritos das sociedades higieno-fascistas, filhas párias da demência politicamente correcta.

Vivemos numa época de margarinas poli-insaturadas, de corpinhos Danone, de ginásios com IVA mais baixo do que fraldas, de meia-maratonas em cada paróquia, de cardumes de ciclistas com fatinhos de licra e óculos escuros bimbos a infernizarem a vida ao pacato automobilista na Marginal de Cascais, de velhotas repimpadas na sua touca na aula de hidro-ginástica, de caminheiros de pau peregrino a invadirem as áreas protegidas, de um Spa em cada tanque com peixinhos cabeçudos, de mais surfistas que ondas.

Enfim, nunca como agora Portugal foi este imenso viveiro de desportistas de trazer por casa. Parecemos aqueles tanques das marisqueiras, com as sapateiras e os lavagantes a abocanharem-se em carnívoras carícias. Somos o povo dos ginásios e do body-building para ser porteiro numa discoteca em Matosinhos, que sempre é uma saída profissional para brutamontes mentais. Arriscar-me-ia a dizer que os sedentários orgulhosos, tendem a ser uma minoria cada vez mais ostracizada.

Em Inglaterra já se fala em discriminação positiva no atendimento dos hospitais para quem faça prova da frequência de aulas de salsa e merengue, jiu-jitsu ou badminton, pelo menos duas vezes por semana. Em contrapartida, a McDonalds e o Solar dos Presuntos passarão a ser obrigados a dar a lista dos seus mais vorazes clientes para constar da base de dados do Sistema Nacional de Saúde e constarem da lista dos “Dez glutões mais procurados pela ASAE”.

A bem da saudinha e do corpinho Danone pedalamos alegremente para a esquizofrenia colectivista. A onda de indignação que varre este país de sapatilhas e fato de treino a propósito da Missão Olímpica portuguesa mostra até que ponto a fasquia das nossas preocupações é rasteirinha. Estou perfeitamente à vontade para falar de desportos olímpicos, já que sou grande praticante de triatlo: halterocopismo, lançamento da beata e bisca lambida - e por isso custa-me ver a crucificação que se está a fazer dos nossos atletas olímpicos, que se limitam apenas a ser, portugueses.

O bom e sereno povo da sapatilha amuou com a falta de resultados e com as notícias matinais das rádios e TV`s que utilizaram até à exaustão a palavra “desilusão” para caracterizar a prestação dos atletas portugueses. Mas, quando começaram as desculpas com os árbitros, com a pressão competitiva, com a impressionante magnificência do “ninho” ou até com as horas matinais a que decorreram as provas, então aí furibundo, o orgulho nacional estalou em bramido de lobo ferido, exigindo responsabilidades, pedindo cabeças na bandeja do sacrifício para apascentar a iracunda dos néscios patrioteiros.

Pedem contas aos 14 milhões de euros gastos na missão olímpica, como se essa nos garantisse banhos de ouro como o dente de um pistoleiro de um western-spaghetti, quando essa quantia seria insuficiente para produzir uma perna do Mike Phelbs. O desporto escolar é berlinde, playstation e SMS`s; o universitário é cabulanço, bebedeiras, queima das fitas e tunas académicas, e depois querem medalhas. Ser atleta de alta competição em Portugal é a mais exigente das provas, consegui-lo é já uma extraordinária vitória.

Mas teimamos em expiar as nossas frustrações patrióticas nos nossos atletas e desportistas, depois de anos sucessivos em que a vítima preferencial foram os concorrentes nacionais ao Festival da Canção. A única coisa em que realmente podíamos ser os melhores do mundo eram os Jogos sem Fronteiras do Eládio Cllímaco, e esses já acabaram.

Para o ultra-competitivo povo português que não gosta de perder nem a feijões (o que é um bocado chato para um povo que passa a vida a perder) nada importa a velha máxima do Barão Pierre de Coubertin: “O importante não é vencer, o importante é competir”, porque no alto das nossas sapatilhas achamos que um portuga deve lutar para vencer, quer seja contra o Michael Schumacher num GP de F1, quer seja contra o Lance Armstrong no Alp d`Huez, quer seja contra a Bulgária no halterofilismo.

Quanto às desculpas esfarrapadas, não são as mesmas que damos lá no emprego para explicar um quotidiano de pequenos falhanços: “O relatórios não estava completo porque não tive tempo para o acabar”; “A apresentação de power point estava fraquinha porque o tipo da informática engatou aquela merda toda.”, “Mas com o ar-condicionado avariado como é que acha possível terminar este artigo”; “O pão tem fermento a mais, a culpa é daquele ucraniano novo”; “Anda para ái uma onda de crime, é por causa dos brasileiros”, “Aquela gaja é uma incompetente, só foi promovida em vez de mim porque anda a fazer olhinhos ao chefe” ……E podíamos continuar por aí fora neste vasto reportório, para explicar esta simples verdade inconveniente.

O grande desporto nacional é o chuta para canto – a desresponsabilização pessoal, a falta de cultura do erro, a trafulhice e a incapacidade de definir os nossos limites como pessoas e como profissionais. Sendo esta a nossa “alma mater”, porque raio é que os nossos atletas haveriam de ser tão diferentes.

É por isso que nesta hora de grande azedume nacional contra atletas olímpicos e ladrões brasileiros, toda a minha sentida solidariedade vai para o povo irmão e para Marco Fortes, o primeiro lançador de peso português a estar presente nos Jogos Olímpicos e eleito como o bode expiatório, ou melhor, o carneiro sacrificial, só porque depois do seu mau resultado na prova confessou: “De manhã só é bom é na caminha, pelo menos comigo.”

Amigo Fortes, tou contigo “brother”, aliás o único desporto que gosto mesmo de praticar é na caminha. Mesmo que ás vezes vá falhando uns mínimos olímpicos, nunca tenho mau perder.

Em dolbysurround no pnethomem.pt

1 comentário:

[A] disse...

para muito boa gente, senão uma grande parte, o melhor seria fazerem como o Marco Fortes e ficarem na caminha;
mas "essa" já passou...que agora temos o Queiróz.

"patrioteiros"!